quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Ligações Perigosas



LIGAÇÕES PERIGOSAS (Dangerous Liaisons, 1988, 119 min)
Produção: Estados Unidos | Reino Unido
Direção: Stephen Frears
Roteiro: Christopher Hampton, baseado no romance de Chordelos de Laclos
Elenco: Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer, Uma Thurman, Swoosie Kurtz, Keanu Reeves, Mildred Natwick, Peter Capaldi, Valeria Gogan.


“Ligações Perigosas” (1988) vem do livro polêmico de Choderlos de Laclos, Les liaisons dangereuses (1782), que causou furor na época de sua publicação e que praticamente foi banido devido a alta carga de erotismo e de relações adúlteras e moralmente conflituosas que preenchiam o enredo da trama de sedução mostrada pelo autor. O sucesso do romance literário é tanto que vários países já o adaptaram para diversos outros suportes artísticos: foi transportado para os palcos, como aconteceu na Alemanha; para os filmes, como aconteceu nos Estados Unidos; para a televisão, como a França fez algumas vezes; até mesmo para rádios, ópera e balé. Como se vê, a obra conceituada rendeu bastantes oportunidades de ser apresentada aos espectadores e a versão de Stephen Frears, que concorreu em 1989 no Oscar, ocupando as principais categorias, é potencialmente um dos melhores trabalhos cinematográfico desse prazeroso trabalho do francês Laclos. Talvez a principal diferença entre livro e filme seja a questão do foco narrativo e da concepção do relatar considerando seu narrador. O recurso polifônico presente no livro se perde no filme, uma vez que o roteiro do português Christopher Hampton se dá numa estrutura heterodiegética.

Desse modo, conhecemos a história da Marquesa de Merteuil, do Visconde de Valmont, da Madame de Tourvel, entre outros, de modos bastantes diferentes quando comparamos livro e filme. Aproveitando que os citei, é apropriado apresentar o resumo do enredo que os coloca juntos nessa trama perigosa de paixão e frieza. A Marquesa de Merteuil (Glenn Close) é uma belíssima nobre cujo comportamento não demonstra qualquer tipo de gentilezas; se se mostra gentil, decerto é para conseguir algo que deseja. O Visconde Sébastien de Valmont (John Malkovich) é outro nobre, este aventureiro, debochado, cujo entretenimento se dá pelas conquistas de outras nobres da corte francesa do século XVIII, período em que vivem. Amantes no passado, a Marquesa propõe ao Visconde uma proposta: conquistar Cécile de Volanges (Uma Thurman), uma jovem que chegou recentemente à França. A intenção: deixá-la totalmente sem créditos ante a sociedade cortesã; o motivo: um dos amantes da Marquesa decidiu trocá-la por Cécile por ela ser mais jovem, o que irrita profundamente a Marquesa. Valmont nega a proposta por achar que Cécile não apresentaria qualquer desafio e, comentando com a ex-amante sobre a reputação reservada e esquiva de Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer), também recém-chegada à França, diz que ela é o verdadeiro desafio no qual ele gostaria de se envolver, resultando numa nova proposta: caso ele consiga seduzir Tourvel e levá-la para a cama, a Marquesa e ele terão um novo reencontro amoroso, como há muito já não têm.

Lendo a sinopse, talvez vocês sejam remetidos a outro filme, este possivelmente mais popular: “Segundas Intenções” (1999). A impressão de que a sinopse é a mesma, apenas com outros nomes de personagens, não é à toa, afinal, o filme do final da década de 1990 com Reese Whiterspoon, Sarah Michelle Gellar e Ryan Phillips também, é baseado nesse romance de Laclos, a diferença é que se trata se uma releitura modernizada, com as acontecimento tendo lugar no ano corrente. O filme de 1988, como disse, é potencialmente o mais interessante, justamente porque ele consegue unir um bom roteiro, excelentes interpretações, uma direção muito sensata e focada, além de um requinte e brilho que nenhuma outra adaptação chegou perto de ter. Retomando o que disse acima sobre as diferenças entre livro e filme, penso que seja adequado agora explicá-las. O recurso polifônico do romance consiste nos personagens contando suas próprias histórias e discorrendo acerca dos eventos que lhes aconteceram – isso se dá através de cartas trocadas. Assim, todo o panorama da história se nos apresenta por aquilo que podemos compreender das trocas de cartas. No filme, como devem supor, não é assim – a narrativa é linear e convencional (palavra usada aqui no bom sentido), com um relato do que acontece através de uma câmera objetiva.

No entanto, preciso apontar que, apesar dessa diferença e de avaliar a polifonia mais interessante, o roteiro escrito por Christopher Hampton é verdadeiramente muito bom, sobretudo porque em apenas duas horas ele consegue desenvolver muito bem as personalidades de cada personagem além de conseguir inseri-los bem em situações que explora cada momento de suas características humanas: luxúria, fraqueza, dor, raiva, amor. Em momento nenhum o filme decepciona nesse sentido. Complementando a oportunidade concedida pelo roteiro de analisar cada figura mais aprofundadamente, os atores envolvem-se com seus personagens aprofundadamente e todos apresentam desempenhos dignos de atenção, em especial o trio principal, composto por Glenn Close, John Malkvovich e Michelle Pfeiffer. Se as duas foram agraciadas com indicações ao Oscar, definitivamente faltou uma indicação também a ele, que desenvolve um Valmont encantador. Aliás, Michelle Pfeiffer é um nome freqüente na cerimônia de 1989, porque aparece em vários filmes indicados, como “De Caso com a Máfia” (1988) e “Operação Tequila” (1988) e penso que sua indicação como a Madame de Tourvel foi realmente justa porque é nesse filme que ela entrega potencialmente uma das melhores interpretações de sua carreira.

Mas não nego: quando penso nas interpretações desse filme, o que me vem à cabeça é Glenn Close, lindíssima e imponente como a Marquesa de Merteuil. Tão logo o filme acabe, vemos o rosto de todos os atores ainda em nossas mentes, mas passados dois meses de visto o filme, é apenas Close que ainda reluz, com seus olhos de desprezo, seus gestos meticulosos, sua fala doce escondendo sua raiva, até seus seios volumosos naquela roupa apertada, intensificando ainda mais a sensualidade da mulher vingativa que não mede esforços para conseguir o que quer. Eu, que nunca vi Glenn Close insatisfatoriamente num filme, ouso dizer que seu desempenho aqui é aterrador, desses que o espectador levará consigo por toda a vida, possivelmente foi o melhor trabalho dela enquanto atriz até aquele ano. E Stephen Frears, o diretor absurdamente não-nominado, valoriza cada momento de Glenn Close, elevando-a ao máximo, fazendo-a explorar cada momento seu em cena. Belíssimo o pré-final, quando a personagem invade o quarto chorando e quebrando tudo; mais belo ainda o final, quando ela tira sua maquiagem, a face rija numa expressão de descontentamento inebriante.

A obra de Stephen Frears é grandiosa. Está disfarçada por um pôster minimalista, por nomes de atores conhecidos do público, mas que à época do lançamento do filme não eram superestrelas como são hoje. Mas, não se nega – e nem há como –:
a obra é magnífica, dessas que devem ser revistas esporadicamente, dessas que fazem valer a pena cada momento, que são intensas e são apropriadas, sem exagerados, sem bobagens simplistas – tudo aqui é na medida certa. Decerto um dos melhores de 1989 e talvez o filme que mais mereça as tantas indicações que recebeu, ainda que eu particularmente ache que apenas 7 indicações não fazem jus à qualidade dessa obra.

INDICAÇÕES (3 vitórias):
1. Melhor Filme: Norma Heyman e Hank Moonjean
2. Melhor Atriz: Glenn Close
3. Melhor Atriz Coadjuvante: Michelle Pfeiffer
4. Melhor Roteiro Adaptado: Christopher Hampton – venceu
5. Melhor Direção de Arte: Stuart Craig e Gérard James – venceu
6. Melhor Figurino: James Acheson – venceu
7. Melhor Trilha Sonora: George Fenton

por Luís Adriano de Lima

Um comentário:

Serginho Tavares disse...

o melhor filme daquele ano com certeza. acho que John Malkvovich deveria ter sido indicado e vencido. Michelle Pfeiffer também era outra que merecia o Oscar com certeza e Glenn Close é de longe o retrato do filme. Lembro que na cerimônia a cena mostrada dela era justamente a última.
E o diretor, fabuloso. Conseguiu colocar no filme seu ácido humor inglês nas sutilezas...
Enfim, um lindo e maravilhoso e injustiçado filme como tantos de 1989!