quarta-feira, 10 de abril de 2013

Django Livre



 DJANGO LIVRE (Django Unchained, 2012, 165 min)
Produção: Estados Unidos
Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Samuel L. Jackson, Kerry Washington, Walter Goggins, Laura Cayouette.

Esse texto foi publicado originalmente na página O Espectador Voraz, em 9 de janeiro de 2013.

Primeiramente, recomendo para uma melhor apreciação de Django Livre” (2012), novo longa-metragem do controverso cineasta americano Quentin Tarantino, abstrair as preocupações em relação a considerações históricas. Digo isso, embasado até em uma recente entrevista do diretor, porque Tarantino afirmou que tem apreço por retratar situações históricas, pois assim tem liberdade para reescreve - lá ao seu bel prazer. Se em sua obra anterior, Bastardos Inglórios, isso ficou mais evidente, com o diretor usando de personagens notórios da recente história mundial como coadjuvantes de luxo, em Django Livre essa mexida na história pode parecer mais genérica. Até porque não existem figuras celebres semelhantes na trama.

No contexto de Django Livre, diria que essa “reinvenção” da história americana, sugestionada pelo diretor, seria mais voltada para o caráter social da época visitada. Entretanto, desprovida de compromisso ou zelo pelos principais retratados no filme: os escravos. Assim como outras obras que tocam no assunto, os escravos, justamente, são mostrados como vítimas de um sistema que os utiliza sem piedade para se engrandecer. Contudo, aqui, Tarantino não procura ser lisonjeiro ou edificar os mesmos. Se o filme traz cenas de violência exacerbada contra eles, talvez na época, elas fossem até pior e nesse sentido, acredito não ser errado dizer que Django Livre em um primeiro momento se desprende de veracidade histórica, mas posteriormente procura fidelidade de fatos menores, principalmente para preencher com mais qualidade esses detalhes secundários da narrativa.

Os dois primeiro parágrafos podem trazer uma idéia diferenciada para o verdadeiro teor de Django Livre. Ainda que o filme de Tarantino toque em assuntos delicados, a sua intenção não é causar reflexão, mesmo que ela possa surgir involuntariamente. O diretor faz alça de mira para a diversão adulta, o entretenimento propriamente dito, mas sem nunca perder seu viés autoral. A sua visita ao western mostra desenvoltura, perspicácia e certa dose de ousadia. Vejam bem, onde um filme desse gênero teria um caçador de recompensas dentista, lisonjeiro e educado? Ou um “Sinhô” poser, que come “bolo branco” e preocupado com as aparências? Essas são características que englobam o tipo de cinema praticado por Tarantino, referencial sim, mas simples imitação não. Como poucos, o diretor faz paródia com criatividade.

Declarada como segunda parte de uma trilogia, Django Livre discorre sobre a temática vingança, tão cara a seu realizador. O ambiente é o Texas do pós-guerra civil americano. Os protagonistas, um caçador de recompensa, Dr. King Schultz (Christopher Waltz) e um escravo liberto por ele, Django (Jamie Foxx). A missão: resgatar a esposa escrava de Django, a bela Brumhilde (Kerry Washington), de uma renomada fazenda algodoeira, CandieLand, comandada pelo presunçoso Calvin Candie (Leonardo DiCaprio). Entre uma ponta e outra da narrativa, Tarantino investe em sua conhecida verve para digressão dissociada, pontuando com diálogos tão mordazes, tensos, quanto divertidos. Contudo, dessa vez, as digressões não avançam para fora da temática central, assim como os flashback, artifício muito utilizado pelo diretor em outras obras, mas que aqui são bem moderados e curtos.

Essa afirmativa da última sentença do parágrafo acima faz chegar à conclusão de que Django Livre é a obra de Tarantino mais linear e de aspecto tradicional. Os recursos estéticos narrativos de outrora, como cartões-títulos para introduzir situações ou mesmo a divisão por capítulos, são deixados de lado. Se por um lado o filme perde (ou ganha, dependendo do ponto de vista) com certos maneirismos renunciados, por outro, a parte visual continua sendo um atrativo a parte. A fotografia de Robert Richardson enche os olhos ao captar os diversos aspectos da geografia e natureza americana, característica do western ianque, como a neve e os belos crepúsculos. Verdade que senti falta de mais tomadas de cavalgadas, perseguições, apesar de o filme guardar uma seqüência de ação especial, tão cômica quanto agitada, envolvendo um ataque da Ku-Klux-Klan aos nossos protagonistas.

Era esperado que em Django Livre o diretor mesclasse a escola americana de western com a italiana, mais conhecida como spaghetti. Todavia, eu não imaginaria que Tarantino pegaria a segunda como prioridade estética. Em uma analise curta e grossa, Django Livre seria um spaghetti realizado e contextualizado dentro da cultura americana. Nesse sentido, é onde volto para reafirmar o viés autoral que Tarantino imbui na obra. No meu ponto de vista, o diretor consegue hibridizar com certa naturalidade esses distintos subgêneros do faroeste, com se um dependesse do outro para existir. E nessa alternância entre o cômico e o sério, exagerado e o realístico, é onde o filme torna-se curioso, cativante e ganha força, sempre se renovando para seguir sem contratempos dentro de suas quase três horas de duração.

Sem um interprete esquecido para revitalizar ou algum desconhecido para revelar, Tarantino aposta em atores competentes da atualidade e colaboradores de longa data. A parceira incomum dos personagens de Christopher Waltz e Jamie Foxx é a força motriz de Django Livre. Respectivamente, seus Dr. King Schultz e Django são anti-heróis improváveis dentro da mitologia do western. Não existiriam tão somente se não tivessem sido criados, ou resgatados e reinventados de alguma obra obscura, pela mente inventiva desse diretor de talento inegável. No entanto, se criamos gosto para acompanhar as peripécias da dupla, uma outra dupla, quando entra para antagonizar os protagonistas, toma a cena de assalto. São eles, o já citado escravocrata Calvin Candie de DiCaprio e o chefe dos escravos de CandieLand, Stephen (Samuel L. Jackson), também conselheiro e bajulador oficial do “Sinhô”.

Sob a batuta de Tarantino, também conhecido pela competência e eficiência em dirigir atores, Samuel L. Jackson entrega mais uma atuação icônica. Seu personagem é ponto chave para a principal virada da trama, e delineado pelo ator de forma arrogante, preconceituosa para com os negros, apesar de também ser negro, acaba por se tornar um autêntico vilão velado. A exemplo de seu parceiro de cena, DiCaprio imerge dentro de seu personagem, uma alternância entre sujeito elegante, metido a moderno, mas com rompantes de fúria quando ludibriado e passado para trás. Verdade seja dita, o ator deveria fazer mais vilões, o manto das diabruras lhe caiu muito bem. Com relação ao restante do elenco, a atriz Kerry Washington, que faz a esposa de Django, entrega uma atuação comum, sem grandes contornos, até pelo seu pouco tempo em cena. Django Livre ainda conta com participações mais do que especiais de veteranos como Don Johnson, o lendário ator italiano Franco Nero e o jovem ator de comédias, Jonah Hill.

Não poderia terminar sem falar da trilha sonora de Django Livre. Tarantino tem um declarado apreço pessoal em garimpar canções especiais para suas obras. Aqui, não poderia ser diferente. O diretor pincelou canções significativas de faroestes italianos, americanos, assim como quatro temas compostos pelo mestre Ennio Morricone. Entretanto, o polêmico hip-hop do rapper Rick Ross e o dueto póstumo entre o também rapper Tupac e o rei do soul James Brown pontuam com bastante propriedade duas das mais significativas cenas. Django Livre funciona tanto para os olhos quanto para os ouvidos. Se perceberem, ainda não abordei os aspectos violentos da obra, advindos principalmente de eloqüentes e bem dirigidas seqüências de tiroteio, para fazer inveja a Sam Peckinpah e deixar Sergio Leone cheio de orgulho. Talvez esse seja o Tarantino mais sangrento de todos, até mais do que Kill Bill. Violência gratuita em certos momentos, mas funcionando a favor do riso, em outros, acaso das situações.

Enfim, acho que me alonguei demais nessa resenha, mas como Django Livre é um filme longo, repleto de nuances, a demanda por certas considerações se tornam maiores. Pessoalmente, apesar do caráter épico da obra e todas suas ressalvas positivas, Django Livre não vem a ser o melhor filme de Tarantino, talvez o mais divertido, cômico ou o que o diretor, impreterivelmente, mas se deliciou em realizar. No entanto, se o filme apresenta alguma imperfeição aqui ou acolá (de fato, elas existem), acredito serem irrelevantes dentro do resultado final. Alias, o bonito da arte é sua negação em ser uma ciência exata, perfeita. Como podar os delírios e pretensões de uma artista que fervilha idéias? Essa última indagação não se refere apenas a Tarantino, estendo a todos realizadores (seja música, teatro, literatura) que não se detém em convenções para agradar a maioria. O que pode ser excesso e exagero para uns, para outros, é puro deleite.

INDICAÇÕES (2 vitórias):
1. Melhor Filme: Pilar Savone, Reginald Rudlin e Stacey Sher
2. Melhor Ator Coadjuvante: Christoph Waltz – venceu
3. Melhor Roteiro Original: Quentin Tarantino – venceu
4. Melhor Fotografia: Robert Richardson
5. Melhor Edição de Som: Wylie Stateman

por Celo Silva

2 comentários:

Kamila disse...

"Django Livre" é um filme excelente na sua parte técnica, que comprova todo o amadurecimento de Quentin Tarantino como diretor. No entanto, acho que o diretor/roteirista pecou aqui pelo excesso. Excesso de duração, de violência, de amor pela sua história.... "Django" vale muito a pena por causa das excelentes atuações do roteiro, com destaque para leonardo dicaprio e Samuel L. Jackson. Acho a atuação de Christoph Waltz caricata e uma repetição dos trejeitos do Hans Landa de "Bastardos Inglórios". O Oscar de Ator Coadjuvante estaria em melhores mãos se Philip Seymour Hoffman ou Tommy Lee Jones tivessem vencido.

Alan Raspante disse...

Pode não ser um dos melhores, mas ainda consegue ser um dos melhores, rs

Adorei o filme! Vi duas vezes no cinema só pra firmar se era bom mesmo!

Acho que o mais bacana foi o fato do Tarantino ter conciliado de forma ímpar a violência e o "humor" do filme (algo bem mais latente neste filme).

Gostei bastante!