sábado, 22 de fevereiro de 2014

Na Natureza Selvagem



NA NATUREZA SELVAGEM (Into the Wild, 2007, 148min)
Produção: Estados Unidos
Direção: Sean Penn
Roteiro: Sean Penn, baseado no livro de Jon Krakauer
Elenco: Emile Hirsch, Marcia Gay Harden, William Hurt, Jena Malone, Kristen Stewart, Hal Holbrook, Vince Vaughn, Catherine Keener, Brian H. Dierker.

É fato que a maioria das pessoas gosta de “Na Natureza Selvagem” (2007), e isso não se dá apenas por esta ser uma grande obra cinematográfica; vejo amigos no Facebook venerando a famosa fotografia de Christopher McCandless sentado defronte ao ônibus que o abrigou em seus últimos dias e percebo que, independente da trilha sonora, das atuações do elenco, da direção de Sean Penn ou de qualquer outro detalhe, o filme ganha só por sua história – e, muito mais que isso, ganha por ter uma reflexão (e ela está explícita!) a ser passado ao público. Reflexão essa, aliás, que até hoje nos soa como um “tabu”: afinal, como alguém de família classe média-alta e estudante universitário diferenciado, decide se afastar do convívio social para viver na natureza? Ou melhor, para viver A natureza?

Assim, o andarilho (vivido nas telas por Emile Hirsch) ruma sob o codinome de Alexander Supertramp, levando consigo em sua mochila a “desobediência civil” e outros ideais. Entretanto, o que faz de McCandless/Supertamp uma pessoa extremamente diferenciada são seus pequenos gestos: ele quer ouvir experiências de todos os tipos, é contra qualquer ideia de “lar”... no fim, o próprio garoto leva tudo tão a sério que acaba entrando em contradições.

Baseado na biografia escrita por Jon Krakauer sobre as andanças de Chris McCandless e com roteiro adaptado pelo diretor Sean Penn, é certo que o road movie vai abusar do olhar fotográfico de Eric Gautier e não se abster das imagens naturais, as quais variam do início ao fim, passando por climas e relevos dos mais variados. Além disso, acalentado pelos embalos comoventes da musicalidade do líder do Pearl Jam, Eddie Vedder, o filme representou um importante passo na carreira de Sean Penn como diretor, fazendo-o alçar voo e abrindo portas para novos projetos. 

por Bruno Barrenha

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Longe Dela



LONGE DELA (Away from Her, 2006, 100 min)
Produção:
Canadá | Reino Unido
Direção: Sarah Polley
Roteiro: Sarah Polley, baseado no conto de Alice Munro
Elenco: Gordon Pinset, Julie Christie, Olympia Dukakis, Alberta Watson, Grace Lynn Kung.

Um casal septuagenário vive uma vida feliz depois de quarenta e quatro anos de casamento, o qual foi marcado por um momento tempestuoso no passado e também por promessas cumpridas de um novo recomeçar. Grant e Fiona Andersson vivem numa casa afastada e têm uma rotina simples, mas apaixonada, em especial pelo carinho que dedicam um ao outro. Ela, no entanto, começa a apresentar dificuldades com o seu dia: esquece-se de onde se guarda os talheres, esquece nomes e lugares, perde-se sem conseguir encontrar o caminho de casa. Diagnosticada com o mal Mal de Alzheimer, chega a um acordo com o marido de levá-la a uma clínica, onde poderá ser tratada e, assim, ajudar-se ao mesmo tempo que desfaz o fardo do marido. Já clínica, porém, com a doença avançando cada vez mais, já não se lembra do marido e apaixona-se por outro paciente, cabendo a Grant encontrar o melhor jeito de ser e fazê-la feliz, considerando as novas circunstâncias.

“Longe Dela” (2006), conduzido e roteirizado por Sarah Polley, foi escrito com Julie Christie já em mente. Somados a ela, estão no elenco o canadense Gordon Pinset e a vencedora do Oscar Olympia Dukakis. Polley conduz o filme através do percurso feito por Grant, o marido de Fiona, vendo-a, como se inevitável, apaixonar-se por outro homem e perder-se de si e dele. A direção de Polley é bastante certa, sem erros de transformar o filme num melodrama nem transformá-lo numa obra fria e distante. O roteiro se ocupa de não nos fazer desmanchar em tristeza ante a separação iminente a que assistimos: enquanto Gordon se distancia de sua esposa, justamente por ela não mais reconhecê-lo, parelalemente ao fato de ela estar envolvida emocionalmente com outro homem, ele se aproxima de Marian, esposa do homem por quem Fiona se apaixonou. Uma história de amor invertida, dois casais que ficam longe dos seus respectivos cônjuges para encontrar outros parceiros que condigam com suas verdadeiras situações.

O título do filme traz consigo uma refinada ironia: em nenhum momento Grant está longe de Fiona, apesar de notadamente enxergarmos um abismo que então os separa. O tom dramático do filme é muito bem apresentado pelos seus intérpretes, em especial o casal protagonista, Gordon Pinset e Julie Christie, que foi lembrada pela Academia e nominada pela quarta vez em sua carreira. O entrosamento dos atores em cena é excelente, possibilitando ao espectador questionar-se não apenas sobre as barreiras do amor, mas também sobre a vida conjugal na terceira idade – é impossível ver os dois na cama, depois do sexo, e questionar seu sexo, por exemplo. Se as interpretações são cativantes, o roteiro também o é, mostrando duas linhas temporais que acontecem simultaneamente, convergindo num determinado momento da trama. Com todas as suas qualidades e méritos, o maior destaque é com certeza Julie Christie, entregando-se gradualmente à doença e torrencialmente ao amor.

INDICAÇÕES:
1. Melhor Atriz: Julie Christie
2. Melhor Roteiro Adaptado: Sarah Polley

por Luís Adriano de Lima

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A Família Savage



A FAMÍLIA SAVAGE (The Savages, 2007, 114 min)
Produção: Estados Unidos
Direção: Tamara Jenkins
Roteiro: Tamara Jenkins
Elenco: Laura Linney, Philip Seymour Hoffman, Philip Bosco, Peter Friedman, David Zayas, Gbenga Akinnagbe, Cara Saymour, Rosemary Murphy, Tonye Patano.

Como normalmente ocorre a um recém-nascido, “A Família Savage” (2007) começa a engatinhar não especificamente em seus primeiros minutos de projeção, mas sim após alguns atos que nos explicam melhor o que acontece naquele lar onde vivem Leonard Savage (Philip Bosco) e sua mulher, Doris Metzger (Rosemary Murphy). Entretanto, não em vão, as cenas iniciais servem para nos apresentar e nos familiarizar ao estilo de vida dos mesmos, no Arizona, numa escolha bastante pertinente da diretora Tamara Jenkins, que distribui o seu cartão-de-visita com uma sequência em câmera lenta de idosos praticando algum tipo de atividade (dança, ginástica, bocha etc.), e, em distinção disso, ao adentrar na casa do casal, observa-se um cenário completamente desanimador, no qual o senhor Savage é um velho rancoroso e sua companheira, uma senhora a sofrer com doenças.

A quilômetros dali, em Nova Iorque, o telefone de Wendy Savage (Laura Linney) toca para avisa-la de que seu pai está enlouquecendo, e então ela deixa o irmão, Jon (Philip Seymour Hoffmann), também sabendo da crise. Por meio de detalhes sutis, a diretora vai deixando transparecer a história da família, sujeitando seus espectadores ao drama do abandono sofrido pelos filhos que vivem separadamente e são pessoas comuns, que lutam por um lugar ao sol – o que os difere de serem como “filhos exemplares”, contudo, é a distância, tanto um do outro quanto de seus pais, dos quais nem sequer sabem o paradeiro.

Para tentar entender melhor toda a situação, os irmãos usam um jogo de palavras que durante todo o filme se torna pertinente em imagens: Wendy metaforiza a “crise” pela qual passam dizendo “estar na cor laranja” (o uso é como um grau de problematização), mas Jon é mais otimista, já que classifica apenas como um “alerta”, isto é, relacionando a uma cor mais fraca, no caso, o “amarelo”. Na cena posterior, a direção de arte faz uso das mesmas cores em uma bela oportunidade, já que se torna a transição do “alerta” para a “crise”, agora concretizada – um salão-de-beleza com as funcionárias vestidas em roupas amarelas abriga a dona Metzger que, após ter sua unha pintada de vermelho, cai dura, morta.

Interessante lembrar que, antes mesmo dessa cena, ainda na casa do sr. Savage e da mulher, a força e domínio do amarelo era muito superior a qualquer outro tipo de cor na paleta da fotografia. Futuramente, no hospital, o azul do ambiente em geral se assemelha ao das camisas dos irmãos e da propaganda que passa na televisão naquele momento, mas ainda assim existe a urina do velho para quebrar com tudo que podia estar melhorando; ainda no mesmo local, percebe-se o grau acadêmico de Jon, um “doutor”, mas não o tipo de doutor que precisa seu pai (seria essa uma metáfora para o fracasso do mesmo fora de sua profissão?).

A relação entre os cônjuges também é outro elemento a se atentar. Jon separou-se recentemente de sua mulher com quem viveu por três anos e parece não ligar, Wendy relaciona-se com um homem que não lhe dá mais prazer, e o pai de ambos acabou de se tornar viúvo. É como se uma praga tivesse pousado sobre a família. E, quando parecia ser impossível decair mais ainda, Leonard perde sua morada.

Assim, cheio de conexões propositais para com o emprego das cores, “A Família Savage” demonstra ser um filme muito bem pensado, com diversas outras informações a serem descobertas. O drama exacerbado, a porção e a avalanche de coisas ruins que pairam pelos personagens, além de suas aparentes (des)preocupações fazem com que o resultado da experiência seja um tanto quanto positivo. Quero dizer, não no sentido emocional.  

INDICAÇÕES:
1. Melhor Atriz: Laura Linney
2. Melhor Roteiro Original: Tamara Jenkins

por Bruno Barrenha


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O Escafarando e a Borboleta



O ESCAFANDRO E A BORBOLETA (Le Scaphandre et le Papillon, 2007, 112 min)
Produção: França | Reino Unido
Diretor: Julian Schnabel
Roteiro: Ron Harwood, baseado no livro de Jean-Dominique Bauby
Elenco: Mathieu Almaric, Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze, Anne Consigny, Max von Sidow, Niels Arestrup, Jean-Pierre Cassell, Marina Hands.

Síndrome do Encarceramento. É essa a designação que ouvimos do médico que apresenta ao francês Jean-Dominique Bauby sua atual condição. Na prática, significa que ele está preso a seu próprio corpo, sem poder senão mexer o olho esquerdo, através do qual enxergamos os primeiros 40 minutos do filme “O Escafandro e a Borboleta” (2007), baseado no livro homônimo de Bauby. A síndrome adveio de um acidente vascular-cerebral ocorrido em 8 de dezembro de 1995, quando Bauby tinha 43 anos, e, apesar de algumas melhoras, nunca pôde se livrar dela.

Antes mesmo de nos apresentar mais à doença, Julian Schnabel, diretor do filme, nos coloca na mesma situação de Bauby: ver e compreender, sem, no entanto, poder expressar-se. Não à toa, praticamente à primeira metade do filme nos mantêm encarcerados como o próprio personagem – durante esse tempo de exibição, vemo o mundo externo apresentado objetivamente através de uma lente (o olho esquerdo de Bauby), isto é, vemos tudo aqui que ele vê sem valores subjetivos: a cortina para a qual olha, as fotografias na parede, aqueles que o vêm visitar; já o mundo interno nos é apresentado na forma de memórias e metáforas, sendo que estas aludem retristamente às impressões do acamado que vive o paradoxo da imobilidade do corpo e da liberdade inteclectual.

Apesar do drama inerente à narrativa, o espectador não é cativado e comovido pela dor, mas por momentos intercalados de uma narrativa lúcida que não se torna maniqueísta. Assim, em vez de apenas acompanharmos o drama de um homem encerrado em si mesmo, com uma precária (porém eficaz) forma de comunicação, somos apresentados também às emoções daqueles que convivem com ele: sua fonoaudióloga Henriette, que se mostra contente consigo e com ele quando finalmente estabelecem um método de comunicação; Claude, a acompanhante solidária destinada a transcrever o livro ditado por Bauby; e, especialmente, Céline, esposa de Bauby que é obrigada a ditar a mensagem de seu ex-marido à amante dele, apesar do seu notável desconforto com a situação.

A história de Jean-Dominique Bauby, que faleceu dez dias após escrever seu livro, é uma narrativa imagética. Schnabel não poupou esforços ao nos conduzir pelas diversas formas de aprisionamento do personagem, a maioria delas associadas à água, seja submerso e paralisado, seja emerso, porém solitário no meio so oceano sobre um píer. Por outro lado, sua imaginação se apresenta num farfalhar constante, em um panapaná do intelecto. As quatro indicações do filme – que de certo modo remete a outro drama clássico, “Meu Pé Esquerdo” (1989), no qual uma paralisia afeta o protagonista deixando-lhe livre apenas o movimento do pé esquerdo – correspondem justamente às suas maiores qualidades.

INDICAÇÕES:
1. Melhor Diretor: Julian Schnabel
2. Melhor Roteiro Adaptado: Ron Harwood
3. Melhor Fotografia: Janusz Kaminski
4. Melhor Edição: Juliette Welfing

por Luís Adriano de Lima